O Bardo na Brêtema
Por Rudesindo Soutelo (*)
O autor do Génesis bíblico fez criar o mundo em seis dias, mas Agostinho de Hipona, em De Genesi ad litteram, assinala que o número seis não é perfeito pelo facto de Deus ter completado o trabalho nesse tempo, mas sim por o seis ser um número perfeito é que Deus concluiu a criação em seis dias. Acrescenta que, ainda que a criação não tivesse acontecido, o número seis é perfeito em si mesmo porque se assim não fosse, deus, não teria feito o seu trabalho de acordo com esse número[1].
A explicação que dá Agostinho de Hipona para os números perfeitos –igual à soma dos seus divisores[2]– baseia-se nos Elementos de Euclides, mas invoca o Livro da Sabedoria –Omnia in mensura, et numero, et pondere disposuisti (11:20)– para justificar que os números perfeitos já existiam em Deus, aquando da criação.
O 6 é o primeiro dos apenas quatro números perfeitos que conheciam os gregos. Os outros três eram o 28, o 496 e o 8.128 mas hoje já se conhecem 48 números perfeitos, o último encontrado tem perto de dezassete milhões e meio de dígitos, e são todos pares. Segundo a Metafísica de Aristóteles, os pitagóricos supuseram que a totalidade do universo é harmonia e número (986a) pelo que o pitagorismo era “uma espécie de teologia do número e o matemático era o teólogo que desvendava a ordem divina”[3].
O número era uma procura espiritual e assumia uma identidade simbólica que está na essência de todas as culturas. A mística do número 6 baseia-se na condição de ser o primeiro de uma exígua lista de números perfeitos e, além disso, tanto a soma como a multiplicação dos seus divisores dá o mesmo resultado (6=1+2+3=1x2x3) e na cabala hebraica representa a bela harmonia. Nessa abstração do sagrado, o número 6 é o símbolo da procriação pois é o produto do princípio feminino, o 2, e o princípio masculino, o 3. No Selo de Salomão, ou Estrela de David, as seis pontas configuram dois triângulos equiláteros sobrepostos tendo um a ponta para cima e o outro para baixo, que simbolizam a tríade material e a tríade espiritual, o masculino e o feminino, o divino e o humano, ou mesmo o yin e o yang do taoismo, a ambivalência e o equilíbrio.
O cubo, terceiro dos sólidos platónicos, simboliza a terra, pela estabilidade das suas bases quadradas. A Caaba, na Meca, é uma construção cúbica, assim como o primeiro templo de Salomão, segundo a descrição bíblica, ou o oráculo de Delfos. As seis faces do cubo integram os quatro pontos cardinais mais o zénite e o nadir. Marius Schneider, em A origem musical dos animais-símbolos, diz que o grau de veracidade atribuído ao símbolo é a expressão do respeito que concedemos ao ritmo místico[4] e um Doutor da Igreja, como Agostinho de Hipona, não ignorava o valor do simbólico e o imediatismo da perceção.
Na música, os harmónicos 5 e 6 só foram admitidos em 1558, como consonâncias imperfeitas, na Institutioni Armonichi, de Gioseffo Zarlino, completando assim o senário que abriu a música ocidental ao mundo das emoções, território simbólico.
A experiência simbólica acumulada por As Artes entre as Letras neste austero sexénio, desabrolhou o seu sexto sentido: a intuição, que é o melhor sextante para navegar no senário da cultura, das artes, das letras, da música, dos sonhos e das emoções nas tríades física e metafísica deste sexto aniversário. Parabéns!
(*) da Academia Galega da Língua Portuguesa.
Compositor e Mestre em Educação Artística e em Ensino de Música.
© 2015 by Rudesindo Soutelo
(Vila Praia de Âncora: 23-6-2015)
[1] Agostinho, S. (2015). De Genesi ad Litteram. (R. Piccolomini, Produtor, & NBA (Nova Biblioteca Agostiniana)) Obtido em 22 de Junho de 2015, de S. Aurelii Augustini Opera Omnia: http://www.augustinus.it/latino/genesi_lettera/index.htm, pp. Liber IV, 7.14
[2] Ibid. pp. Liber IV, 2.3.
[3] Alsina, C. (2010). A seita dos números - O teorema de Pitágoras. Barcelona: RBA, p. 29.
[4] Schneider, M. (2010). El origen musical de los animales-símbolos en la mitología y la escultura antiguas. Madrid: Siruela, p. Introducción.
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