Data de publicação: Jun 10, 2014 8:1:9 PM
O Bardo na Brêtema
Por Rudesindo Soutelo (*)
A psicologia chegou a algumas conclusões que estão a mudar o conceito de talento musical. John A. Sloboda afirma que “a maioria das nossas respostas à música é aprendida” e que “as respostas emocionais não podem explicar-se simplesmente em termos de condicionamento” pois “a forma e o conteúdo musicais são irrelevantes para o caráter emocional adquirido; só importa o contexto”[1]. A comunicação emocional da música pode ser controversa e, mesmo, mudar radicalmente de um momento para outro numa mesma pessoa. Mas a música tem padrões e estruturas que se relacionam entre si e podem ser mais ou menos identificáveis pelas pessoas. A emoção e o conhecimento são características musicais que adquirem significados relevantes nas suas vidas. Esses significados são aprendidos e a escolha pedagógica tem um papel fundamental no desenvolvimento dos diferentes níveis e capacidades de assimilação.
As pedagogias musicais do século XX não são unânimes quanto aos objetivos a atingir. Todas falam da criatividade mas a concretização do facto criativo é muito diverso. Para uns, a expressão corporal é mais relevante do que a intelectual, para outros a técnica instrumental prevalece sobre a compreensão. Todas formulam os seus modelos de perfeição e estabelecem métodos que se excluem uns aos outros. No fundo, o que subjaz, não é uma questão pedagógica mas sim a enorme discrepância sobre o arquétipo cultural ou o modelo ideal de música a ensinar. Há os que se aferram à música erudita ocidental dos séculos XVIII e XIX e os que preferem a dos séculos XX e XXI, mas também há os que se focam no jazz, nas músicas tradicionais e populares ou mesmo nas musiquetas comerciais. A pedagogia da música é, antes de mais, o incremento das capacidades criativas das pessoas e só depois é que podemos falar das técnicas e dos estilos a desenvolver em cada contexto.
Toda a pedagogia duma cultura morta tem de incutir no aluno umas normas e regras predefinidas e invioláveis. Nesse contexto, a margem de criatividade do aluno fica encaixilhada num pequeno espaço controlado. As metodologias musicais inspiradas no movimento da Pedagogia Nova, com poucas exceções, focaram o seu propósito nas músicas do passado, representativas de uma sociedade altamente hierarquizada e contrária aos princípios democráticos que os novos métodos proclamavam. As respostas aprendidas distorciam a realidade.
Nos inícios do século XX, Arnold Schoenberg mudou a paisagem sonora da música erudita ocidental, prevendo a queda dos valores dominantes, materializada em duas guerras mundiais. O fracasso da verticalidade do poder dava esperanças a um relacionamento horizontal da sociedade. O totalitarismo do sistema tonal estava a ser abalado e Schoenberg pôs fim àquele pensamento de direcionamento único com uma obra teórica, Harmonielehre, que em 1911 antecipa na música as grandes mudanças que vão transformar a Europa e o mundo.
Assim como a Primeira Grande Guerra teve de ser concluída com uma Segunda, as ideias de Schoenberg não foram compreendidas pelos apóstolos da nova pedagogia, que continuavam a querer criar um homem novo com músicas velhas. Só depois da Segunda Grande Guerra, nas décadas de 60 e 70, é que aparecem pedagogos que enfrentam a ditadura da banalidade tonal das musiquetas, impulsionada pela indústria mal dita cultural, e da qual o filósofo Theodor W. Adorno diz: “A arte sem sonho, produzida para o povo, realiza aquele idealismo sonhador que parecia exagerado ao idealismo crítico”[2].
Assumindo as palavras de Schoenberg –“Quando se compreende, buscam-se as razões, encontra-se a ordem, percebe-se a clareza”[3]– em próximos artigos exploraremos o caminho aberto por Schoenberg e que dois grandes pedagogos da música, R. Murray Schafer e John Paynter, utilizaram para fomentar uma visão inovadora do mundo. Curiosamente, nenhum destes dois pedagogos criou um método mas desenvolveram processos –de pensar e de fazer– para devolver o sonho à música e que, segundo Paynter, “realçam os elementos de risco e desafio que, provavelmente, serão importantes para as gerações futuras”[4].
(*) da Academia Galega da Língua Portuguesa.
Compositor e Mestre em Educação Artística.
© 2014 by Rudesindo Soutelo
(Vila Praia de Âncora: 19-4-2014)
[1] Sloboda, J. A. (2012). La mente musical: La psicología cognitiva de la música. Boadilla del Monte: Machado Libros, pp. 8-9.
[2] Adorno, T. W. (2010). Indústria cultural e sociedade. (J. M. Almeida, Ed.) São Paulo: Paz e Terra, p. 14.
[3] Schoenberg, A. (2001). Harmonia. (M. Maluf, Trad.) São Paulo: UNESP, p. 73.
[4] Paynter, J. (1999). Sonido y Estructura. Tres Cantos: Akal, p. 12.
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