O Bardo na Brêtema
Por Rudesindo Soutelo (*)
Os números inteiros, figurados, racionais, amigáveis, perfeitos, incomensuráveis, são expressões que encerram mistérios e daí a sua carga mística. Albert Freiherr von Thimus, na sua obra O simbolismo harmónico da antiguidade[1], estabelece a natureza musical e a matemática do sistema simbólico das culturas antigas, baseada no conhecimento dos harmónicos. A música era a chave do conhecimento do cosmos como o prova o conceito pitagórico de ‘música das esferas’ celestes.
Pitágoras instituiu os fundamentos científicos da música e concebeu os números triangulares. A tetractys (1+2+3+4) dominou dois mil anos da música ocidental. Esses quatro primeiros parciais harmónicos da física do som conformam os intervalos de oitava, quinta e quarta, que foram considerados como consonâncias perfeitas. No Renascimento, esse princípio pitagórico será ultrapassado por Gioseffo Zarlino, na Institutioni Armonichi (1558), onde alarga as consonâncias para os intervalos de terceira e a esse conjunto dos seis primeiros harmónicos designou senario.
O quinto harmónico, que conforma o intervalo de terceira maior, vai revolucionar a música ocidental e abrir a porta para uma nova organização da harmonia sonora, forçando o abandono do sistema modal para se configurar no sistema tonal.
A escala pentatónica, que é a divisão da oitava em cinco tons, com diversas variantes, está presente em praticamente todas as culturas musicais. As teclas pretas do piano formam uma delas. Esta partilha universal resulta de “observar o cosmos de forma musical e a música de forma cosmológica”[2]. Os cinco sólidos platónicos (tetraedro, octaedro, cubo, icosaedro e dodecaedro) representavam por sua vez os cinco sentidos e os cinco elementos (fogo, ar, terra, água e o misterioso éter).
O número cinco é algo mágico e representa a reprodução e a vida biológica. Cada um dos doze cantos do icosaedro reúne os vértices de cinco triângulos equiláteros. A água, simbolizada pelo icosaedro, é também o sinal da vida porque as coisas secas só podem estar mortas ou à espera de água. Mas, acima de tudo, o número cinco é a raiz da divina proporção, expressada em Φ = (1±√5)/2 ≈ 1,618, e está presente por toda a parte, desde a natureza em crescimento e até nos reclames publicitários. O número phi (Φ) chama-se assim em honra do escultor Phideas, que o teria utilizado na construção do Pártenon.
O quinto aniversário é, pois, uma celebração de ouro, quase mágica, que denota um crescimento natural, e desde sempre ligado às artes, à cultura e à biologia.
Em 1677, Leibniz escreveu um ensaio intitulado Diálogus e na margem do texto escreveu esta frase: “cum Deus calculat et cogitationem exercet, fit mundus” o que podemos traduzir por ‘quando Deus calcula e pensa, faz-se o mundo’. Como o mundo já está feito, adotemos a estrela pentagonal dos pitagóricos para que o fluir deste pentaniversário nos encaminhe para o sexto harmónico, a terceira menor, e consolide o senario de As Artes entre as Letras. Parabéns!
(*) da Academia Galega da Língua Portuguesa. Compositor e
Mestre em Educação Artística.
© 2014 by Rudesindo Soutelo
(Vila Praia de Âncora: 6-VI-2014)
[1] Thimus, A. F. (1868 - 1876). Die harmonikale Symbolik des Alterthums. Köln: M. DuMont-Schauberg'schen.
[2] Godwin, J. (2009). La cadena áurea de Orfeo - El resurgimiento de la música especulativa. Madrid: Siruela, p. 119.